sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Manual del perfecto idiota latinoamericano Roberto Campos 25/8/96

"Só há uma coisa pior do que ser explorado pelo imperialismo; é não ser por ele explorado" - Joan Robinson

O título acima é de um "best seller" em Buenos Aires, para o qual Afonso Romano foi o primeiro a nos chamar a atenção. O "Manual" tem um prefácio do notável escritor Mário Vargas Llosa e foi escrito, a três mãos, com grande verve, boa pesquisa histórica e agudo senso econômico, por Plínio Apuleyo Mendonza (colombiano), Alberto Vargas Llosa (peruano) e Carlos Alberto Montaner. Este último, um democrata belicoso que apoiou Fidel Castro na derrubada de Batista e depois teve de enfrentar uma nova ditadura, a do próprio Fidel. Todos os três foram simpatizantes do marxismo, que nos anos 50 e 70 grassou na América Latina como uma espécie de gonorréia juvenil, até que a queda do Muro de Berlim agisse como penicilina ideológica.

O "Manual" é uma devastadora catilinária contra a mitologia latino-americana dos nacional-populistas e esquerdistas. Aqueles, afeiçoados à arte de distribuir e incompetentes na arte de produzir, infligem, através do populismo clientelesco, patrióticos infortúnios à população. Estes, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado; que resultam da disposição de poupar e correr riscos de investidores nacionais e estrangeiros; que os monopólios estatais são fontes de abusos e ineficiência; que o melhor instrumento de controle social do mercado é a concorrência e não o altruísmo do burocrata; e que a intervenção estatal gera privilégios e corrupção.

São parte da idiotice latino-americana a falsa causalidade e a errônea identificação de inimigos. Exemplo da falsa causalidade é a seguinte tirada slogânica: "El desarollo de los paises pobres es el producto histórico del enriquecimento de otros. Em última instancia, nuestra pobreza se debe a la explotación de que somos víctimas por parte de los paises ricos del planeta". Para essa cultura da inveja, a economia internacional é um jogo de soma zero, no qual inexiste a noção de vantagem mútua.

A errônea identificação de inimigos consiste em atribuir-se a pobreza endêmica e os absurdos desníveis de renda na América Latina ao capitalismo e ao liberalismo, animais quase inexistentes em nossa paisagem e que apenas agora ensaiam uma tímida presença. Os reais inimigos são outros: o mercantilismo patrimonialista, o estatismo e o nacionalismo.

Estes é que explicam os monopólios estatais dispendiosos e ineficientes; a inflação crônica, o empobrecimento e a extorsão imposta a poupadores e a usuários, vítimas de altas tarifas, impostos complexos e confiscos periódicos. Cabe aliás notar que o nacionalismo nem sequer é produto nativo; é um transplante europeu. O produto nativo deste subcontinente é o caudilhismo político.

O "Manual" dá explicações interessantes sobre o antiamericanismo, que é capítulo obrigatório na Bíblia do idiota latino-americano. Há um componente "cultural", ancorado na tradição hispano-católica; um "econômico", consequência de uma visão nacionalista e marxista das relações econômico-financeiras entre o "império" e as "colônias"; um "histórico", derivado dos conflitos armados entre Washington e alguns vizinhos do sul; e um "psicológico", produto malsão dessa mistura de ódio e admiração, que nos provoca a grande nação do Norte. O antiamericanismo é uma espécie de "mau hálito" do terceiro-mundismo, que até recentemente poluía nossa política externa.

É impiedosa a demolição feita, pelos autores, de mitos revolucionários e de heróis populistas: Pancho Villa, Fidel Castro, Allende, Peron, Che Guevara, Velasco Alvarado. Colocados sob a lupa implacável da análise de resultados, se tornam figuras menores, diferenciadas apenas pelo seu grau de masoquismo imaginário ou pelo infortúnio que impuseram a seus países. "Somos pobres: la culpa es de ellos" é o refrão de todas essas figuras, cuja sensatez econômica é inversamente proporcional à capacidade de suas glândulas salivares...

Enfocando principalmente o componente hispânico, o "Manual" subestima a contribuição brasileira para a idiotice do subcontinente. Nada diz sobre a teoria de Lula, segundo quem a inflação seria devida não à expansão monetária do governo e sim à "ganância do empresários". Ou sobre as arengas de Brizola, segundo o qual nosso subdesenvolvimento resulta das "perdas internacionais" que nos impõem as multinacionais, exploradoras de nossas riquezas. Ou sobre a paranóia antropológica de Darcy Ribeiro. Este declara que os Estados Unidos, talvez a sociedade mais inovadora e criativa da era moderna, são um mero transplante da Europa, que "não apresenta novidade nenhuma neste mundo". O Brasil, por contraste, é a Nova Roma, "tardia e tropical", na qual a mestiçagem se torna um misterioso detonador de criatividade! A verdade, naturalmente, é outra. Boa parte de nosso subdesenvolvimento se explica em termos culturais. Ao contrário dos anglo-saxões, que prezam a racionalidade e a competição, nossos componentes culturais são a cultura ibérica do privilégio, a cultura indígena da indolência e a cultura negra da magia...

Os dois brasileiros que merecem mais espaço no "Manual" são Frei Betto e Fernando Henrique Cardoso. O primeiro, por causa de seu apostolado da teologia da libertação. Este porque um de seus livros, intitulado "Dependência y desarrollo en America Latina", se tornou um dos "diez libros que conmovieron al idiota latinoamericano".

A teologia da libertação é uma espécie de coquetel de frutas retirado do "refrigerador teológico" para livrar os pobres de inimigos satânicos. Mistura-se, diz o "Manual", uma onça de Hegel - a idéia da consciência como fator de liberdade -, outra de Freud - o comportamento humano condicionado pelo inconsciente que reprime nossa psique - e finalmente uma onça de Marcuse - a repressão social de coletividade inconsciente -, que deve ser resgatada ao lhe ser devolvida a consciência social. Administrado esse coquetel, livra-se o povo da repressão que o impede de perceber que está sendo explorado.

O socialismo seria uma espécie de trampolim para o céu e o capitalismo, presumivelmente, um tobogã para a terra. Para Frei Betto, o capitalismo e a economia de mercado estão na raiz de nossa miséria e da injustiça. Só que essas instituições nunca vicejaram na América Latina, onde imperam o estatismo e o patrimonialismo. Frei Betto é capaz de dizer, com unção evangélica, megabobagens como as seguintes: "Cuba é o único país onde a palavra dignidade tem sentido". Ou então: "Em nossos países se nasce para morrer. Em Cuba, não"!

O livro de FHC, publicado em 1969 (com 24 reedições), justifica plenamente sua recomendação de que esqueçamos o que escreveu. Os países se dividiriam entre "centro" e "periferia". Estes, subdesenvolvidos, cumpririam na economia mundial as funções que lhes fossem determinadas pelos países do Centro. Suas decisões de produção e consumo se tomariam em função da dinâmica e dos interesses das economias desenvolvidas. Nascida do propósito de encontrar uma explicação para os fracassos da doutrina cepalina de substituição de importações (que não lograra diminuir a brecha que separava os Estados Unidos e o Canadá de seus vizinhos do Sul), a "teoria da dependência" acabou fazendo uma confusão homérica entre estágios temporários de subdesenvolvimento e fatalidades sociológicas.

Com o salto espetacular dos tigres asiáticos na última década, que tornou os "periféricos" Hong Kong e Cingapura mais ricos que a metrópole inglesa, e com a sofisticação de Taiwan e Coréia em indústrias de ponta, a teoria da dependência caiu no ridículo. FHC depois se tornou um político de êxito, aderiu à economia de mercado e à abertura internacional, e é hoje acusado de "neoliberal". (Injustamente, aliás, pois de vez em quando tem recaídas dirigistas, imiscuindo-se em mensalidades escolares, aluguéis e multas contratuais). Superou sua fase de subdesenvolvimento mental, o que prova tratar-se de doença grave e contagiosa, porém não incurável.

A inflação, diz Milton Friedman, é sempre e exclusivamente um fenômeno monetário. O subdesenvolvimento, por sua vez, não resulta de espoliação internacional ou da falta de recursos naturais. É sempre um fenômeno "cultural": um misto de idiotice e "mau-caratismo". Infelizmente, ambas as coisas são abundantes neste subcontinente, que Lord Palmerston outrora chamou de "continente desperdiçado"...

Roberto Campos, 78, economista e diplomata, é deputado federal pelo PPB do Rio de Janeiro. Foi senador pelo PDS-MT e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).

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