domingo, 9 de maio de 2010

PEDRO S. MALAN -O que temos que ver com gregos e outros? O Estado de S.Paulo

A experiência histórica de séculos, tão bem documentada no belo livro de Rogoff e Reinhart (This Time is Different), mostra a grande frequência em que, após graves crises financeiras, as finanças públicas podem se deteriorar de maneira rápida e profunda. Os riscos associados a esta deterioração são particularmente agudos em países que já experimentavam, antes da crise, elevados ou crescentes déficits fiscais e de balanço de pagamentos; alto ou crescente estoque de dívida pública; significativa proporção desta dívida detida por estrangeiros, denominada em moeda estrangeira (ou em moeda que o país em questão não emite); elevado grau de rigidez em seu nível e estrutura de gasto público; um alto e crescente gasto com idosos e aposentados; e uma economia pouco competitiva internacionalmente.

Países que já tinham vários desses problemas antes da crise passaram a tê-los fortemente agravados pela natureza da inevitável resposta à crise. Com efeito, a necessidade de conter o pânico e o colapso da confiança nos mercados financeiros levou governos, por intermédio de seus Tesouros e bancos centrais, a uma intervenção historicamente sem precedentes, em termos de assistência de liquidez, garantias a depositantes e credores, compra de ativos dos balanços de bancos e injeções de capital em instituições financeiras e não-financeiras. As estimativas são de que os países desenvolvidos tenham assumido compromissos que, se necessário, poderiam chegar a cerca de 27% de seu PIB conjunto, nas várias formas de intervenção acima mencionadas.

Como consequência, seus déficits fiscais chegaram, na média, à faixa de 8% a 9% do PIB e o estoque de suas dívidas públicas está estimado para, na média, chegar aos 100% de seu PIB em dois anos mais. Uma expansão sem precedentes históricos em tempos de paz. No caso mais grave - o da Grécia -, o déficit público chegou a 13,6% do PIB em 2009 e sua dívida pública, a mais de 115% do PIB no ano, devendo alcançar 150% em 2014 - mesmo que a Grécia consiga reduzir seu déficit em quase 11 pontos porcentuais de seu PIB (de 13,6% para menos de 3%) em 2014. O que é altamente improvável para um país que - como vários outros, e não apenas da área do euro - já vinha seguindo uma forte e insustentável trajetória de expansionismo fiscal e que tinha - como vários outros países - muitas das características mencionadas no primeiro parágrafo deste texto.

O fato é que a questão da "crise das dívidas soberanas" estará na agenda das discussões internacionais por anos à frente. A eurozona ocupa um lugar especial por uma razão importante: os países que adotam o euro não podem esperar resolver problemas de dívida pública por meio de abruptas e não antecipadas acelerações de inflação e depreciações cambiais. Afinal, individualmente, esses países não emitem a sua própria moeda, não tendo política monetária e cambial decidida no âmbito nacional.

Esperemos que o Brasil esteja na categoria dos países que podem, mas não querem incorrer neste autoengano, porque aprenderam com as experiências - suas e de outros. Países nesta categoria sabem, ou deveriam saber, que não há alternativa que não seja evitar que a irresponsabilidade fiscal leve a dúvidas quanto à solvência de médio e de longo prazos de seus respectivos setores públicos. E, não menos importante, que é exatamente nos períodos de bonança e de euforia que se deve, precavidamente, como há muito mostraram os noruegueses, chilenos e outros, preparar o terreno para tempos mais difíceis - que sempre chegarão.

Nesse sentido, tão ou mais importante do que comemorar o décimo aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal é, agora, resistir às inúmeras pressões para que ela seja desrespeitada na prática e não permitir que o espírito que presidiu a sua elaboração, no final dos anos 90, seja gradualmente deixado de lado. Como já notei em outra oportunidade, construir uma reputação de comportamento fiscalmente responsável demanda muito tempo. A destruição progressiva de tal reputação pode ser realizada em muito pouco tempo.

Esse é o risco que estamos correndo. No Brasil, todos têm "muito apreço" pelo gasto público que os beneficia - e a seus eleitores. Mas este "apreço geral", que não está de forma alguma restrito aos anos eleitorais, e a voracidade com que se procura o acesso privilegiado a recursos públicos constituem o ovo da serpente de futuras crises fiscais e estão por trás das dificuldades que temos em assegurar investimentos em infraestrutura, em educação de qualidade e, em ultima análise, uma aceleração sustentada de nossa taxa de crescimento. Como vem acontecendo com países que não atentaram em tempo hábil para a importância da responsabilidade fiscal como política de longo prazo, ainda que ciclicamente ajustada.

Alguém pode perguntar: e nós com isso? Afinal, estamos em situação muito melhor do que vários países da zona do euro em termos fiscais, não temos as amarras que eles têm em termos de política monetária e cambial, estamos crescendo em matéria de consumo e investimento, atraindo capital estrangeiro, há confiança no ar. Qual é o problema? O problema no momento é a enorme complacência que existe entre nós com o agravamento de nossa situação fiscal, quando se a considera em perspectiva, incluindo todas as elevações de gastos permanentes já contratados e as expectativas de gastos por contratar. Deveríamos estar analisando com atenção os casos de crises de dívida soberana ora no foco da atenção mundial, não para derivarmos satisfação com nosso melhor desempenho relativo, mas para aprender grandes lições sobre a importância de não deixar as coisas começarem a fugir de controle nessa área. Parafraseando o grande poeta John Donne, "não me perguntes por quem os sinos dobram, eles (talvez) dobram por ti".

Mães, feliz dia!

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