quarta-feira, 22 de maio de 2013

AS CANELADAS DE DILMA EM NELSON RODRIGUES - AUGUSTO NUNES



20/05/2013
 às 20:11 \ Direto ao Ponto

As caneladas de Dilma em Nelson Rodrigues são um insulto ao Brasil que pensa

Múltiplo e genial, Nelson Rodrigues foi e fez tantas coisas admiráveis que sobreviveu à morte física: seu último dia de vida foi também o primeiro na eternidade. O Nelson dramaturgo inventou o teatro com diálogos em brasileiro. O ficcionista devassou o universo habitado por aquela que muitos anos depois seria batizada de “nova classe média”. O cronista que via a vida como ela é criou metáforas luminosas, frases imortais, imagens sublimes e personagens que resumem não o que os nativos gostariam de ser, mas o que efetivamente são. E o apaixonado por futebol descobriu, por exemplo, que “a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana”. Fora o resto.
Quem usa a cabeça para pensar sabe que alguém assim não cabe mesmo em livros de bom tamanho. O cérebro baldio de Dilma Rousseff acha possível espremer Nelson Rodrigues numa frase, no máximo um parágrafo que irrompe, sempre caindo de bêbado, no meio da discurseira sem pé nem cabeça. Desde setembro de 2012, ela não tem hesitado em exumar, para tratar invariavelmente a pauladas, o escritor que nem teve o desprazer de conhecer a doutora em nada. Ora pinçando  personagens, ora adaptando imagens arbitrariamente, já disse o suficiente para constatar-se que nunca leu Nelson Rodrigues ─ ou leu e não entendeu.
A pancadaria foi intensificada em março, quando Dilma decidiu tranformar em slogan da Copa de 2014 a metáfora superlativa de Nelson Rodrigues: “O escrete é a pátria em chuteiras”, escreveu o cronista centenas de vezes. A pátria em chuteiras, título de uma coletânea de  crônicas sobre futebol, virou “a pátria de chuteiras”. Em 29 de abril, durante um falatório em Campo Grande, Dilma fundiu a expressão mutilada com outra imagem famosa para colocar o autor a serviço da seita lulopetista. Confira o parágrafo publicado pelo Portal do Planalto:
“Uma outra coisa importantíssima surgiu no Brasil, importantíssima. E eu vou falar o que é. Ela está ligada, de uma certa forma, a uma crônica feita por um senhor que se tivesse nascido em qualquer lugar de língua inglesa seria considerada gênio lá. (…) Ele fez uma crônica ─ ele chamava Nelson Rodrigues, ele era muito engraçado ─ ele fez uma crônica que chamava “Complexo de Vira-lata”. Ele dizia que ─ isso foi na época, se eu não me engano, do jogo com a Suécia, final com a Suécia, não tenho certeza, mas foi na final, um pouco antes da final com a Suécia ─ ele fez uma crônica que ele dizia o seguinte: que o Brasil tinha complexo de vira-lata e que ele não podia ter complexo de vira-lata, e que a equipe era boa, tanto que a equipe era boa que ela era boa tecnicamente, taticamente, fisicamente, artisticamente. Tanto é que nós dessa vez ganhamos a Copa. Mas ele sempre falava desse complexo de vira-lata que pode… a gente pode traduzir como um pessimismo, aquela pessoa que sempre acha que tudo vai dar errado, que ela é menor que os outros. E ele dizia uma coisa, e eu queria dizer isso para vocês. Ele dizia que se uma equipe entra… eu não vou citar literalmente, não, mas se uma equipe entra para jogar com o nome Brasil, se ela entra para jogar com o fundo musical do Hino Nacional, então ela é a pátria de chuteiras”.
Neste sábado, Nelson Rodrigues foi convocado para festejar a reabertura do estádio Mané Garrincha,em companhia do craque cujo apelido batiza a arena inaugurada sem ficar pronta: “O Garrincha, na sua simplicidade, era um jogador que demonstrou que o Brasil não era de maneira alguma, nem tinha por que, era um vencedor, e não tinha porque ter esse arraigado complexo de vira-lata que o nosso cronista esportivo Nelson Rodrigues, um dos maiores teatrólogos do nosso país, nas vésperas da Copa do Mundo, da Copa da Suécia, denunciou a existência pela quantidade de gente que previa um fracasso”.
Mais uma cretina fundamental!, exclamaria Nelson Rodrigues se confrontado com essa deformação delirante do que escreveu em 1958 (antes do início da Copa da Suécia, não às vésperas da final). O complexo de vira-lata se limitou ao País do Futebol, lembrei neste espaço num post de 2010. Tal fenômeno surgiu em 1950, quando a derrota na final contra o Uruguai transformou o brasileiro no último dos torcedores, e sumiu dez anos depois, com o triunfo na Copa da Suécia. O que assola os trêfegos trópicos é o oposto do complexo de vira-lata. É a síndrome do Brasil Maravilha, uma praga criada por ilusionistas de picadeiro. Disseminada pela seita lulopetista, tal disfunção induz os muito malandros e os crédulos demais a enxergarem uma potência emergente num pobretão que se faz de rico trajando um fraque puído nos fundilhos.
O espetáculo do cinismo é incansavelmente encenado para ocultar os flagelos que atormentam a nação reduzida a paraíso dos ladrões de dinheiro público e dos assassinos da honestidade. Há um sistema de saneamento básico que só cobre metade das moradias, cicatrizes apavorantes no sistema de saúde, um sistema de ensino em frangalhos, mais de 10 milhões de analfabetos, a economia sem rumo, a inflação regurgitando, morros sem lei, zonas de exclusão que encolheram o mapa oficial em milhões de quilômetros quadrados, a violência epidêmica, a corrupção endêmica, a incompetência dos governantes, a inapetência da oposicionistas ─ há uma demasia de horrores a combater e tumores a extrair. Mas o grande coro dos farsantes segue berrando que, se melhorar, estraga.
O padrinho de Dilma finge que todos os pobres ficaram ricos. A afilhada de Lula erradicou a miséria e agora repete que só quem tem complexo de vira-lata não enxerga a Pasárgada parida pelo chefe. Em Campo Grande, o besteirol triunfalista novamente se amparou no que Nelson Rodrigues nunca escreveu: “Eu queria dizer para vocês que nós, nós – o governo federal, o governador, os prefeitos, os empresários, os trabalhadores, a sociedade –, nós entramos para jogar o nome Brasil aqui, e ao som… e com o fundo musical do Hino Nacional”, viajou a presidente. “Não tem quem nos derrote se não acharmos nós que já estamos derrotados. Não tem quem nos derrote! Isso é o que garante a nossa força, é o fato de que juntos ninguém nos derrota”.
Daqui a 500 anos, como a maior parte de Shakespeare, não estarão grisalhos os melhores momentos de Nelson Rodrigues, extraídos de 17 peças, 9 romances, 7 livros de contos e crônicas e milhares de artigos em jornais. Um gênio não merece ser insultado pela ignorância no poder. São uma afronta ao Brasil que pensa as caneladas desferidas por uma presidente que não sabe juntar sujeito e predicado ─ e que em poucos anos estará enterrada, ao lado do criador, na vala comum das velhacarias históricas.
Para Nelson Rodrigues, a seleção era a pátria em chuteiras, a dar botinadas em todas as direções. Dilma é a pátria de ferraduras, constatou o comentarista F Tavares. De ferraduras e pisoteando com ferocidade todas as formas de vida inteligente.

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