quinta-feira, 17 de outubro de 2013

CARLOS BRICKMANN: 'LIBERDADE É PODER FALAR MAL'

Liberdade é poder falar mal’, de Carlos Brickmann

CARLOS BRICKMANN
Toda essa luta a respeito de autorizar ou não biografias tem tudo a ver com um assunto que nos diz respeito, sejamos ou não biógrafos: a liberdade de imprensa – ou seu sinônimo, a liberdade de expressão. Se precisamos de autorização para falar de Roberto Carlos, de Caetano Veloso, se estamos sujeitos a proibição da família quando falamos do grande Mané Garrincha, a liberdade de expressão simplesmente desapareceu do país. E o beneficiário maior da liberdade de expressão, o cidadão que tem o direito de ser informado, perde esse direito.
Não falemos de personagens atuais; falemos de um passado já antigo. A família imperial poderia processar-nos por relatar, num livro ou numa matéria jornalística, o caso entre D. Pedro 1º e a Marquesa de Santos? Ou de um passado mais recente: a família do ex-presidente Juscelino Kubitschek poderia processar-nos por relembrar o caso que manteve por vinte anos com Maria Lúcia Pedroso? Ou, indo mais longe, a família de Adolf Hitler poderia tentar proibir que se publique sua biografia, onde constam fatos desabonadores para sua reputação?
Voltando aos tempos atuais: Palmério Dória, em seu Honoráveis Bandidos, faz uma narrativa cruel sobre a família Sarney. Teremos de enfrentar a realidade de que Sarney, o donatário do Maranhão, o presidente do partido de apoio ao regime militar, é mais tolerante do que nossos artistas supostamente libertários?
Não, não dá. E dizer que os biógrafos ganham ao narrar a vida de seus personagens, enquanto estes nada recebem, é uma grosseira tentativa de mistificação. Caetano Velloso, por exemplo, nada pagou à atriz Vera Zimmerman, sua musa na composição Vera Gata; não teria sentido pagar à família de Betinho pela homenagem a ele prestada por Aldir Blanc e João Bosco em O Bêbado e a Equilibrista; Laurentino Gomes, em sua festejada trilogia sobre o início do Brasil como nação (1808, 1822 e 1889), deveria pagar a quem – à família Orléans e Bragança, ao Chalaça, à família Hohenzolern, da imperatriz Leopoldina, ao extinto reino das Duas Sicílias, origem da imperatriz Teresa Cristina?
O fato é que todos gostam da liberdade de expressão quando esta liberdade serve para falar bem deles. Poucos a toleram quando a realidade não é tão favorável. E o argumento de que, numa biografia, pode haver elementos de inverdade, é absolutamente ridículo: para isso existe a Justiça.
E, cá entre nós, este colunista leu uma antiga biografia de Roberto Carlos, O Rei e Eu, escrita por seu ex-mordomo, Nicholas Mariano.
E até hoje não conseguiu entender por que Roberto Carlos lutou tanto para proibi-la e recolher os exemplares em circulação.
Os fatos incertos
Livros, jornais, revistas, TV, rádio, tudo OK: as informações falsas são rastreáveis e, caso configurem crime, podem levar seus responsáveis à Justiça. O problema maior é outro: o da informação leviana. De repente, sem que isso represente prejuízo material direto, aparece um poema que é atribuído a Ruy Barbosa (e que, na verdade, tem apenas um verso baseado em frase de Ruy). Há coisas que causam prejuízo indireto à reputação de grandes escritores, mas que não são passíveis de processo: atribuir textos de qualidade duvidosa a Millôr, Veríssimo, Mário Quintana. Há informações erradas, distribuídas de boa-fé, por gente que acha que estando escrito é verdade – e toca a postar periodicamente notas imensas informando que um locutor da Globo foi demitido (embora ele continue aparecendo todos os dias na TV), que a imprensa, sob censura, não divulga que a Lei da Ficha Limpa foi rejeitada (quando já está sendo aplicada há alguns anos), coisas desse tipo. Nada a fazer.
Mas também há brigadas especializadas, remuneradas, que passam um bom tempo criando perfis desligados da realidade, para uso em atividades específicas – geralmente eleições. Com base nesses perfis (para usar a linguagem do Facebook, fake), saem difamações pesadas contra adversários. Este é um problema que precisa ser equacionado.
Biografias? Esta é uma falsa questão, levantada sabe-se lá por que motivo – e, seja qual for, equivocado.

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