sábado, 30 de novembro de 2013


sábado, novembro 30, 2013


Burocracia e pirotecnia - KÁTIA ABREU

FOLHA DE SP - 30/11

Por que a vigilância sanitária não assume suas responsabilidades, em vez de apelar para a pirotecnia?

Não é de hoje que a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) alerta a sociedade brasileira sobre a ineficiência e a burocracia excessiva que, na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ocupam lugar da pesquisa e da ciência.

Há quatro décadas o poder público tem sido informado de análises detectando presença de princípios ativos de agroquímicos não registrados para certas culturas. Mas o cenário não muda.

Ainda hoje, a produção de frutas e hortaliças apresenta o mesmo problema: pouco ou nenhum defensivo autorizado para o controle químico de pragas e doenças.

Em vez de capacitar seus técnicos para tomar medidas de sua exclusiva competência, regulamentando de forma clara e transparente o uso de agroquímicos para essas culturas, parece que a Anvisa cultiva uma especial predileção por incriminar o pequeno produtor rural.

Tomemos o caso recente do anúncio pirotécnico dos resultados do Para (Programa de Análise de Resíduos Agroquímicos em Alimentos), feito com o objetivo de criminalizar agricultores pelo uso de agroquímicos além do permitido ou de produtos não registrados.

Analisando os números em profundidade, constata-se que o uso em quantidade além da permitida alcançou irrisórios percentuais de 2,3% das amostras em 2011 e de 1,5% no ano passado.

Evidentemente, é imperioso eliminar excessos, ainda que pequenos. Mas também é justo reconhecer que agricultores seguem as regras, quando têm à disposição produtos registrados com LMR (Limites de Máximo Resíduo).

O relatório também aponta o uso de agroquímicos não registrados, detectado em 32% das amostras colhidas em 2011 e em 25% no ano seguinte. Faltou dizer que o agricultor não o faz por escolha, mas por total falta de opção. Várias culturas não contam com nenhum agroquímico regulamentado pela Anvisa para proteger a plantação.

Em vários países, determinados agroquímicos são utilizados em grandes e pequenas culturas. Mas, no Brasil, a burocracia que alonga e encarece o processo de registro faz com que as empresas mirem apenas lavouras de maior volume de produção.

Hoje, uma indústria que fizer um pedido de inclusão da cultura do abacaxi em registro de produto já regulamentado para o arroz, por exemplo, terá de esperar por seis anos, no melhor cenário. O resultado é que culturas de mercado mais restrito ficam desprotegidas.

É a lógica do mercado contra a qual só o governo pode atuar, criando ambiente para que pequenos agricultores de frutas e hortaliças tenham acesso à tecnologia que protege a produção.

De quem é a culpa? Do agricultor, que não tem opção, ou do órgão que não tem responsabilidade social para cumprir o seu papel em tempo aceitável?

A solução existe e não é cara. Para promover a realização dos registros para todos os casos de irregularidade detectados desde 2001 pelo Programa de Análise de Resíduos da Anvisa, o governo não teria que despender mais do que R$ 6 milhões, valor irrisório diante da relevância da produção de alimentos no Brasil.

A pergunta decisiva é: por que a Anvisa não toma essa iniciativa, em vez de insinuar ou afirmar, como faz frequentemente, que o uso de agrotóxicos é abusivo por parte do produtor rural? Por que a vigilância sanitária não assume suas responsabilidades, em vez de apelar para a pirotecnia?

O setor de fruticultura, por falta de agroquímicos registrados, está perdendo renda, produção e oportunidades no mercado internacional e no mercado doméstico. Nossa uva não pode continuar sendo trocada pela chilena, cujo colorido é realçado por um produto que o agricultor brasileiro não pode usar, porque a Anvisa tem lá outras prioridades, que ninguém sabe quais são.

Basta de espetáculos midiáticos. A Anvisa deve à sociedade um sistema claro e eficaz de registro de agrotóxicos para essas culturas de frutas e hortaliças, que ocupam milhares de pequenos agricultores familiares em todo o país. Além da responsabilidade técnica, é preciso ter responsabilidade social.

Chega de manchetes do tipo: "Relatório da Anvisa indica resíduo de agroquímico acima do permitido". Menos pirotecnia, mais trabalho e seriedade

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