quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Nostalgia do que não existiu - TOSTÃO

Nostalgia do que não existiu - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 19/02

O ideal seria o Brasil recriar seu estilo sem perder suas origens, mas a atual realidade é outra


Chico Buarque, que deveria voltar a escrever sobre futebol, disse, décadas atrás, que os europeus eram os donos do campo, pela distribuição e organização tática, e os brasileiros, os donos da bola, pela habilidade e criatividade.

Na época, vários lances eram a marca de nosso futebol, como os chutes e passes de curva, de rosca, de trivela, os elásticos, os chapéus e dezenas de outros efeitos especiais. Melhor ainda, o futebol-arte ganhava do futebol-força.

A Europa e a América do Sul tinham estilos bem definidos, opostos, embora, como hoje, haja várias diferenças entre o futebol que se joga em um país e outro da Europa e entre um sul-americano e outro. Às vezes, para simplificar, cometo o erro de não fazer esta distinção.

Com o tempo, houve uma grande aproximação entre os dois estilos. Os europeus deixaram de ser cintura dura, e os brasileiros não são mais os únicos artistas da bola. O belga Hazard é mais habilidoso e inventivo que seu companheiro Oscar, enquanto o brasileiro é mais disciplinado e tem mais inteligência coletiva.

Por causa da globalização e do avanço da ciência esportiva, criou-se, no Brasil, há décadas, um dilema entre aderir ao futebol essencialmente coletivo, moderno, compacto, de atacar e defender em bloco, de valorizar a posse de bola, e a outra postura, a de incentivar a improvisação, os efeitos especiais e os devaneios individualistas. Uma coisa não anula a outra.

Essa indefinição continua. O futebol que se joga no Brasil não é uma coisa nem outra. Pior, passou a ser um jogo de espasmos individuais, isolados, além de excesso de faltas, chutões e jogadas aéreas.

Fora de campo, o futebol brasileiro continua dividido entre o profissionalismo e o amadorismo, entre a ganância pelo lucro, sem se preocupar com a qualidade do jogo, e a nostalgia, às vezes, por coisas que nunca existiram ou que nunca foram vistas.

Faço essas reflexões, divagações, um resumo telegráfico, por falta de espaço, para responder a um leitor contrário à minha opinião, de que um dos méritos de Felipão, facilitado pelo fato de os jogadores da seleção atuarem fora, é fazer com que o time tenha uma estratégia parecida com a das principais equipes da Europa.

Esse leitor e muitos outros pensam que o Brasil deveria recriar seu estilo, sem perder a origem, a magia, o jogo bonito e peculiar, marcas da história de nosso futebol. Seria ótimo, mas a atual realidade é outra. Ficamos para trás e, neste momento, é preciso aprender com as coisas boas de fora.

Quem sabe, em um futuro não muito distante, isto aconteça, quando os melhores jogadores continuarem aqui e quando sair a turma que está no poder, que, há décadas, voltando novamente a Chico Buarque, subtrai nosso futebol, em tenebrosas transações?

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