quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Ao longe, os sinos já dobram pela ditadura - LUIZ FELIPE LAMPREIA

Ao longe, os sinos já dobram pela ditadura - LUIZ FELIPE LAMPREIA

O GLOBO - 21/12

A sociedade cubana toma cada vez mais consciência da falência do modelo jurássico que a levou a um atraso só comparável ao dos países mais primitivos


O reatamento entre Estados Unidos e Cuba é o fato diplomático do ano. Ninguém, salvo os envolvidos na negociação, podia prever que o pano fosse cair agora sobre o último ato da Guerra Fria. Só mesmo a inércia do preconceito e o ressentimento do passado sustentavam o bloqueio americano de Cuba. Nos Estados Unidos, o assunto era tabu, até pouco, porque o voto da Florida podia definir uma eleição presidencial, e nenhum político importante tinha apetite para testar a posição da grande comunidade cubano-americana em um pleito eleitoral para a Casa Branca. Para Cuba, o embargo americano representava uma bandeira para reunir o apoio de todos os países latino-americanos e, sobretudo, um excelente bode expiatório para responsabilizar por todos os males econômicos do país. Poderia ser custoso abrir mão deste grande álibi para encobrir o total fracasso do socialismo cubano.

A reabertura das respectivas embaixadas em Havana e Washington é, em si, um fato político de grande valor. Porém, o principal será o levantamento do embargo americano. Daí podem advir consequências profundas para Cuba. Já ficou claro que o gradualismo de Raúl Castro não reverteu o precário estado da economia cubana. Em diálogo com uma amiga minha, que conhece profundamente a realidade de Cuba, Raúl disse que a cada dia “tenho que perfurar um muro” para conseguir tomar medidas de abertura. O muro deve ter sido demasiado duro e não foi possível concretizar uma melhoria sensível no nível de vida do povo cubano. Entre uma abertura mais radical e a preservação da mão de ferro do partido, o coração da oligarquia no poder certamente não balança.

Em um mundo globalizado, o efeito de demonstração torna impossível fechar um país ao mundo exterior. Assim, a sociedade cubana toma cada vez mais consciência da falência do modelo jurássico que a levou a um atraso só comparável ao dos países mais primitivos. Raúl, mais sensível que o irmão mais velho, parece ter percebido, como Tancredi, o sobrinho do príncipe Salinas no Gattopardo, que é “preciso que tudo mude para que tudo fique como está”. De fato, o ciclo do Partido Comunista cada vez mais vem sendo posto em dúvida.

Roberto Robaina, meu colega como ministro das Relações Exteriores nos anos 90, pertencia a uma geração nascida nos anos sessenta e era sensível à ideia de uma melhor inserção de Cuba nos padrões mundiais. Terminou destituído e confinado a uma escola de reeducação ideológica e, não tendo sido aprovado, acabou encarcerado e assim continua. Esse tipo de violência é cada vez mais difícil de praticar na ilha.

Quais serão as consequências do levantamento do embargo comercial americano a Cuba? Supondo que o Congresso dos Estados Unidos aprove a lei de revogação (o que está longe de ser provável, dado o reacionarismo do Partido Republicano que hoje domina ambas as casas do Legislativo), a medida ocasionará, gradualmente, um efeito radical na economia cubana. Virão investimentos e atividades econômicas crescentes, aumentarão o emprego e a renda das pessoas, ocasionando um grande crescimento do consumo, atualmente reprimidíssimo. Combinado com liberação do uso dos meios de comunicação e um acesso muito maior à internet vai formar-se um enorme movimento de superação do modelo que há muito infelicita o simpático povo cubano, tão parecido conosco. Nada disso ocorrerá da noite para o dia mas já se pode ouvir ao longe os sinos que começam a dobrar pela ditadura implantada por Fidel no longínquo ano de 1959.

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