quinta-feira, 21 de maio de 2015

Tudo "depende" - J.R. GUZZO

quinta-feira, maio 21, 2015


REVISTA VEJA

O Brasil, apesar de toda a torcida e de todos os esforços em contrário, é uma democracia há pelo menos trinta anos - funciona mal, mas funciona em modo pleno, e isso é o que interessa no mundo das realidades. Todos os direitos individuais são respeitados. A liberdade de expressão é completa. O governo tem de obedecer às leis. O exercido da atividade política é perfeitamente livre para todos. Não há nenhuma ideia proibida, e por aí se vai. Não existe problema algum, portanto, para que pessoas, organizações, partidos ou seja lá quem for defendam em público os valores que acham corretos. Acontece que a mente humana não é um lugar necessariamente lógico; quando se pergunta quanto são 2 mais 2, por exemplo, é surpreendente a quantidade de pessoas que respondem: "Depende". Além disso, estamos no Brasil - e no Brasil, sobretudo hoje em dia, há uma extraordinária coleção de coisas que "dependem". A que está chamando mais atenção no momento, entre outras, é a defesa de valores por parte de quem tem obrigação de defendê-los. Após trinta anos de democracia, pregar a favor deste ou daquele valor deveria ser uma atitude rigorosamente comum no dia a dia da vida pública. Mas não é - "depende". Ou, como se diz, não "rola".

Como acontece em nossa terra com certas leis, o debate às claras sobre questões de princípio não "pegou", apesar de toda a liberdade política que existe à disposição dos interessados. Poucas vezes isso esteve tão claro como nos últimos dias, quando foi preciso que o mundo político dissesse com clareza se é a favor ou contra o pacote de pontos de vista do advogado Luiz Fachin, indicado pela presidente Dilma Rousseff para completar o quadro de onze ministros do supremo tribunal Federal. E poucas vezes a dificuldade de defender abertamente alguma postura moral ficou tão bem demonstrada como na deserção generalizada do PSDB, o principal partido de oposição do país, diante das obrigações que tem perante seus eleitores. O problema não está no doutor Fachin, que não precisa da autorização de ninguém para pensar o que pensa, ou dizer o que pensa - sobre casamento, família e paternidade, por exemplo, questões que a seu ver estão contaminadas por leis obsoletas, ou sobre o direito à propriedade privada, que segundo ele só pode valer se servir para funções sociais que ninguém sabe quais seriam, ou sobre invasões de terra, das quais é um entusiasta. Ele também tem todo o direito de escrever coisas como "transubjetivação", "espacialidade", "diárquico" ou "eudemonista", ou de chamar o morto de de cujus - é apenas a obsessão de ser incompreensível que comanda os circuitos mentais de quase todos os brasileiros empenhados em provar que são juristas. O problema, por inteiro, está com o PSDB, que nessas horas é incapaz de dizer abertamente se acredita ou não, para valer, em alguma coisa. Vai ao contrário, exatamente, do PT, o partido que faz mais uso do seu direito constitucional de dizer o que pensa e o que quer - ou dos cultos evangélicos que não têm medo de agir em defesa da sua própria fé.

Para simplificar: o maior partido brasileiro de oposição é a favor da propriedade privada, ou da validade do contrato civil de casamento tal como está escrito na lei? Não pode haver nada mais simples - basta dizer "sim" ou "não". Mas o PSDB da vida real não consegue, como ficou comprovado mais uma vez na indicação do novo magistrado. Suas principais lideranças construíram o prodígio de estar em Nova York justo no dia em que o Senado fez a sabatina de Fachin; um recorde, provavelmente, em matéria de correr da raia. Se não querem nem fazer perguntas, como esperar que tenham respostas? Outro de seus arquiduques foi ainda mais longe: ficou logo de uma vez a favor do nome proposto, por conveniência política pessoal. O PSDB de hoje, na verdade, até que se mostra capaz de fazer oposição ao governo; estão aí seus discursos, votos no Congresso, participação em CPIs, pedidos de investigação. Mas o partido, salvo exceções, desaparece quando se trata de assumir alguma posição relativa a valores - o terreno onde a vida realmente se complica e a franqueza pode trazer riscos. Age como se valores fossem uma linha de ônibus, que as pessoas só tomam para ir ao lugar que lhes interessa. Não pode haver nada de bom nesse tipo de conduta. Um partido que tem medo de deixar que o verdadeiro e o falso sejam discutidos no livre mercado de ideias é um partido que tem medo das maiorias; seus chefes se condenam a viver na situação de desertores permanentes.

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