domingo, 24 de maio de 2015

Valentina de Botas: É canalhice culpar a vítima pelo estupro, roubo ou assassinato cometidos por um bandido pobre VALENTINA DE BOTAS


Eu nasci há dez mil anos atrás, completos em setembro, e não havia nada nesse mundo que eu não soubesse demais. Foi tudo muito rápido, mais de nove mil anos se passaram e de repente vi o Brasil ser parido no espanto mútuo entre índios pelados e saudáveis vivendo no neolítico e aqueles europeus vestidos e sujos trazendo a civilização moderna mais atrasada da Europa. Vi a nação se povoar e desenvolver-se sob a selvageria colateral do processo civilizatório, como a escravidão e a miscigenação animada também pelo estupro.
Vi a urbanização comendo as matas, o crime e a violência florescendo nas cidades grandes e assombrar também as pequenas. Vi o país pobre e tremendamente injusto se tornar menos pobre aprofundando injustiças na sedimentação da impunidade tanto mais garantida quanto mais rico ou poderoso o criminoso. Uma evolução histórica cadenciada pelo nascimento da nossa música de dentro da nossa brasileira alma yorubá tocando-nos a carne trêmula com a alegria e a vitalidade profanas da maior nação católica do mundo.
Mas vi também sanidade no povo que, apesar de batizado pela corrupção e crismado pela cordialidade (no conceito de Sérgio Buarque de Holanda), insiste em dar certo. Criada numa família vulnerável a tudo como são as famílias muito pobres em que aprendi a fazer escolhas morais corretas tentando superar (e não me aproveitar) aquelas circunstâncias, indignei-me em ver a vítima ser culpada pelo estupro, roubo ou assassinato cometidos por um bandido pobre.
Se negro, então, a coisa é quase epifânica para aqueles que desconsideram que a vítima também, na maioria das vezes, tem o mesmo perfil sociológico do criminoso. Menores de idade também matam menores de idade, pretos também matam pretos e pobres também matam pobres. E aí, manada do pobrismo e vitimismo, quem tem mais culpa? A vítima, é claro, pois ela se faz vitimar apenas para incriminar o bandido. A loucura já foi menos sórdida e insana.
Então, como milhares de brasileiros de bem, repudio o que que não vira em nenhum lugar ou tempo: a estupidez rousseauniana degenerar nesse sociologismo ordinário que faz rimar origem social com uma espécie de direito natural à prática do crime e o menor-pobre-oprimido-sem-bicicleta inspira a xaropada indecente de certo jornalismo que se pretende poético, sem ser nem poesia nem jornalismo para ser apenas lixo.
Num tempo em que a presidente propõe diálogo com o estado islâmico que lhe cortaria a cabeça antes que ela dissesse “apesar de que no que se refere a cortá cabeças”, o elogio a esfaqueadores-sem-bicicleta gira a mesma lógica asquerosa. Enquanto isso, a manada de intelectuais, magistrados, artistas e tal brande que a redução da maioridade penal não resolve a criminalidade. Não sei. Só sei que é preciso respeitar nossas lágrimas e elevá-las acima da manada, profanando o credo asqueroso de justificação da impunidade por qualquer motivo.
Enquanto os ébrios de pobrismo e vitimismo pusilânimes pensam, o Brasil que presta, à mercê deles, quer apenas que o país siga o exemplo da civilização que resolveu grande parte dos problemas sociais: prender criminosos independentemente da idade, grana, cor ou poder que tenham ou não tenham.

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