quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

"A Casa Grande surta quando a senzala vira médica?", por Leandro Narloch

"A Casa Grande surta quando a senzala vira médica?", por Leandro Narloch

Arquivo pessoal
Bruna Sena, 17, comemora o primeiro lugar no curso de medicina da USP de Ribeirão Preto, o mais concorrido da Fuvest
Bruna Sena, 17, comemora o primeiro lugar no curso de medicina da USP de Ribeirão Preto, o mais concorrido da Fuvest
Folha de São Paulo


Bruna Sena conquistou uma bela vitória ao passar em primeiro lugar em medicina na USP de Ribeirão Preto, mas disse uma insensatez ao comemorar a aprovação pelo Facebook. "A Casa Grande surta quando a senzala vira médica", afirmou ela, que é negra e vem de uma família pobre.

Não se trata apenas da opinião descuidada de uma adolescente; figurões influentes pensam da mesma forma. "A classe média tradicional mostrou que tem horror à ascensão social dos pobres", disse André Singer, colunista da Folha e professor da USP, em entrevista à "Ilustríssima", em 2015.

Na mesma época, Juca Kfouri afirmou que as manifestações eram fruto "do incômodo que a elite branca sente ao disputar espaço com esta gente diferenciada que anda frequentando aeroportos, congestionando o trânsito e disputando vaga na universidade".

E o economista Bresser-Pereira acredita existir no Brasil um "espírito golpista dos ricos contra os pobres".

Deixa eu tentar entender essa visão de mundo. Para a estudante e os três senhores, o brasileiro rico torce para que os pobres continuem pobres. Se alguma notícia da TV mostra redução de pobreza no país, o brasileiro rico esmurra seu sofá da Casa Grande. Ao deparar com pobres dormindo na calçada, ele comemora.

Se uma negra pobre passa na USP, o brasileiro rico, não haveria dúvidas, se incomoda e faz cara feia. "Claro que a ascensão social do negro incomoda", disse Bruna para a reportagem da Folha.

Conforme esse retrato, o brasileiro rico, ao conversar com outros turistas na fila da torre Eiffel, não se mostra envergonhado com a miséria de seu país. Pelo contrário, mostra fotos do celular das coisas que mais gosta no Brasil: favelas, crianças barrigudas e desnutridas, trens lotados de trabalhadores mal pagos.

Gente, vamos com calma. Nem mesmo novelas mexicanas das mais marxistas retratam os ricos de forma tão caricata.

É claro que deve haver desmiolados que se incomodam com negros pobres no aeroporto. Mas opiniões devem se basear em estatísticas, e não em evidências anedóticas. E o que as estatísticas mostram é que a tolerância ao convívio entre classes aumenta conforme a renda e a escolaridade dos brasileiros.

Por exemplo, para 76% dos analfabetos, empregados devem usar o elevador de serviço, mesmo que os moradores autorizem o uso do elevador social. Entre os brasileiros com diploma, 72% acreditam que moradores e funcionários devem usar o mesmo elevador. O dado vem de pesquisas do sociólogo Alberto Carlos de Almeida (aquele que apareceu em conversas gravadas com o ex-presidente Lula).

Caricaturas como essa fazem sucesso porque é confortável e estimulante acreditar que nossos adversários intelectuais são trogloditas sem noção e sem escrúpulos. 

Enquanto muitos integrantes da direita acham que toda esquerda apoia Fidel Castro e dança a música "Sou do Levante, estou com Maduro", a esquerda imagina que os ricos surtam quando pobres entram para a faculdade de medicina

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